O maior estudo sobre diabetes tipo 1 acaba de ser divulgado e revela dados preocupantes, mostrando que doença é negligenciada no país e que há poucos dados sobre a doença em território nacional. O Estudo Multicêntrico de Diabetes Tipo 1 teve início em dezembro de 2008 e foi finalizado no início desse ano, com o apoio de Farmanguinhos/Fiocruz/Ministério da Saúde, da Fundação Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro e da Sociedade Brasileira de Diabetes. A doença afeta 10 milhões de brasileiros, dos quais, 10% apresentam a doença do tipo 1, a mais grave. O objetivo foi avaliar a proporção de pacientes diabéticos que tenham controle glicêmico adequado nas diferentes regiões do País. Além disso, os médicos quiseram conhecer o perfil clínico, demográfico e a qualidade do atendimento oferecido a estes pacientes pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
A pesquisa envolveu 3.591 pacientes, de 28 cidades, localizadas em todas as regiões do País, e incluiu uma entrevista e o uso de questionário para conhecer as características demográficas, econômicas e clínicas dos pacientes, além de coleta de dados nos prontuários médicos. O levantamento foi coordenado pela Dra. Marília de Brito Gomes, professora Associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e doutora em Endocrinologia pela Escola Paulista de Medicina.
Dentre os pacientes que participaram do estudo, 39,7% são da região Sudeste, 28,3% da Nordeste, 22,8% da Sul, 6,5% da Centro-Oeste e 2,7% de estados do Norte do País. A maioria dos pacientes (57,1%) era de brancos, do sexo feminino (56%) e com idade média, na época, de 21 anos (50%). Se levarmos em conta os níveis de escolaridade, a maioria dos pacientes, 37,7%, tem nível fundamental incompleto, mas 1,1% eram analfabetos.
– A baixa escolaridade dos pacientes associada à renda econômica familiar, entre um e cinco salários mínimos, da maioria dos entrevistados (77,4%) é uma barreira importante na obtenção de um controle adequado do diabetes. Considera-se ainda a complexidade do tratamento da doença como uso, em geral, de dois tipos de insulina e avaliação da glicemia (determinação dos níveis de glicose no sangue) em vários horários, além de dieta, exercício, avaliação da capacidade funcional do paciente e seus familiares são fundamentais para a condução adequada do tratamento, explica Marília.
Diagnóstico
A maioria dos pacientes, 71,5%, teve a doença diagnosticada antes dos 15 anos e cerca de 20% tiveram diagnóstico antes dos cinco anos. Esses números configuram um cenário da doença de longa duração com maior probabilidade de evolução para complicações crônicas e, portanto, com maior custo para o Sistema de Saúde e para a sociedade como um todo. Até o momento não existem meios de prevenção da doença, apenas formas de minimizar seus efeitos a curto, médio e longo prazo através do controle clínico e metabólico adequado.
A maioria dos pacientes (42%), principalmente as crianças, teve o diagnóstico da doença em cetoacidose diabética, que é uma complicação aguda do diabetes com necessidade de internação hospitalar e que apresenta importante risco de vida. Os fatores de risco mais importantes para a ocorrência desta complicação foram: a classe socioeconômica, a baixa idade e a região de moradia dos pacientes (Sudeste).
É importante ressaltar que existe uma mudança gradativa no modo como a doença é diagnosticada. Em cerca de 39% dos pacientes, ela foi descoberta por métodos de rotina, sem a necessidade de internação hospitalar. Quanto aos fatores de risco mais importantes, destacam-se a classe socioeconômica, a baixa idade e a região de moradia dos pacientes (Sudeste)
Ressaltamos que o custo atual de uma internação de quatro dias, usando a tabela SUS, é de RS 360,00. Caso o paciente seja atendido ambulatorialmente, considerando-se todos os itens do tratamento, esse custo seria de R$ 81,8, ou seja, 4,5 vezes menor. É importante ressaltarmos que esses custos são subestimados
– Em relação a esse item, ressaltamos que cerca de 6% dos pacientes, ainda em idade produtiva, já estavam desempregados ou licenciados pelo INSS ou aposentados devido às complicações que surgem com o diabetes, explica Marília.
A maioria dos casos teve início com sintomas tratados como inofensivos como idas constantes ao banheiro para urinar, sentir muita sede e perder peso. Essa situação permite ao Sistema de Saúde elaborar políticas de alerta em unidades de emergência para que realizem testes de glicemia em todos os pacientes que apresentarem os sintomas já mencionados.
O controle glicêmico, avaliado pelo HbA1c, provou que, independentemente do método laboratorial de mensuração, a maior parte dos pacientes está muito mal controlada, com média de HbA1c de 9,2%. Do total, apenas 18.6% tinham HbA1c menor que 7%, que seriam considerados os pacientes com controle adequado. Em 46%, o HbA1c estava maior que 9%, o que demonstra um péssimo controle. Esse cenário em indivíduos ainda jovens, e em fase produtiva, se configura como de altíssimo risco de evolução para complicações crônicas como doenças degenerativas da retina, neuropatia (perda gradual da função de nervos), doenças renais e cardiovasculares.
Cerca de 30% a 65% dos pacientes não haviam realizado um rastreamento das complicações crônicas no ano anterior à realização do estudo. Um importante fato analisado foi que pouquíssimos pacientes realizaram o devido rastreamento para doença cardiovascular, responsável por até 44 % dos índices de mortalidade.
– Sabemos hoje que essas complicações resultam em menor expectativa de vida para o paciente e em elevado custo para o sistema de saúde. Do total do custo direto relacionado ao diabetes, cerca de 50% são decorrentes das complicações crônicas da doença, explica Marília.
Os custos indiretos também são elevados porque a qualidade de vida do paciente vai, progressivamente, diminuindo à medida que há o desenvolvimento das complicações crônicas.
– O tratamento intensivo da hiperglicemia, e de todos os fatores de risco cardiovasculares, diminui, significativamente, a evolução para complicações crônicas. Sendo assim, é fundamental que as políticas de saúde pública sejam orientadas nesse sentido. Devemos intensificar o tratamento, mas é importante que o paciente tenha noção da importância do conhecimento da doença e da necessidade do controle adequado. Os dados coletados durante o estudo ratificam a necessidade de programas eficazes de educação em saúde no Brasil para que se atinjam as metas de controle do diabetes com intervenções terapêuticas, incluindo o exercício e um plano alimentar saudável, explica a Dra. Marília.
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